domingo, 28 de agosto de 2011

ESCRITA CRIATIVA

Os segredos de escritores e professores de Redação Criativa para a realização de um bom texto
Alceu Luís Castilho



Ler. Muito. Observar. Ouvir. Concentrar-se. Errar, refazer. Mudar de rotina - ou, para alguns, radicalizá-la. Fórmula mágica para escrever um texto criativo não existe. Mas quem lida diariamente com o assunto oferece dicas para uma relação menos traumática com a tela (ou o papel) em branco. Todos são unânimes em apontar o tempo - a paciência, a espera, a experiência - como fator determinante para um bom resultado.

Língua ouviu escritores e professores de Escrita Criativa para identificar caminhos. Aviso: cada um deles tem suas ênfases, características, hábitos - ou manias. Para não dizer que cada um tem sua... criatividade. "Estilo não", minimiza Xico Sá. "Estilo é de Machado de Assis para cima".

A tentativa está no centro do debate. Quem não tenta não escreve. "Qualquer pessoa que deseje ser um escritor, e não está a escrever, não o é", disse uma vez o escritor americano Ernest Hemingway. Seu conterrâneo Ray Bradbury dava uma dica curiosa: escrever pior. "Mais importante que escrever é rever", considerava. Ou, como definiu o irlandês Samuel Beckett: "Tente outra vez. Erre de novo. Mas erre melhor". As três frases foram coletadas por João de Mancelos, um dos maiores especialistas em Escrita Criativa de Portugal.

- O erro faz parte do processo de aprendizagem, tanto quanto o êxito. Não se pode temer o falhanço [fracasso], sob pena de o aprendiz nunca experimentar, nem sair da zona de conforto - diz Mancelos.

Ele e Rosângela Petta - criadora da Oficina de Escrita Criativa, em São Paulo - insistem no papel decisivo da técnica.

- Acredito na epifania, no sopro das musas, mas este deve ser complementado pela técnica (saber criar personagens, descrever locais, gerar suspense, estruturar enredos, etc.), o esforço e a disciplina - avalia Mancelos.

Rosângela cita o escritor gaúcho Assis Brasil, um dos mais atentos no Brasil ao tema. "A escrita boa é fruto da reescrita. E reescrever o texto não é uma derrota".
- Tem de dominar uma técnica para poder transgredi-la - completa a professora.
Eliane Brum

"Começo a escrever dentro de mim. Vou ao computador com o texto já em mim. Resolvo os meus conflitos pela escrita"
Tanto na reportagem como na ficção começo a escrever dentro de mim. Sou intuitiva na minha escrita. Dificilmente tenho bloqueios, porque quando vou para o computador a história já está dentro de mim.

O processo é como uma gestação. A reportagem começa em um movimento interno de esvaziamento - da visão de mundo, dos preconceitos, dos julgamentos. Sei que nunca vou me esvaziar por completo - não podemos esquecer que somos seres históricos. Volto preenchida pela voz que é do outro, pela história do outro. Fico com um humor muito particular, não converso por ninguém. Chego de viagens, de experiências incríveis e só consigo falar depois de escrever.

Na ficção é outro processo: o de ser possuído pela própria voz, pelas vozes do seu subterrâneo que você nem sabia que tinha. Também é uma apuração - dos seus interiores. Ela também começa dentro de mim. É um processo totalmente solitário. É preciso aguentar a angústia.

Há certas realidades que só a ficção suporta. Vem a necessidade de outra voz. E a necessidade se transforma em perturbação e vira uma insônia crônica. Escrevo ficção porque preciso. Ela vem dessa maneira. É um processo muito perturbador, dessas vozes. Vêm de dentro de mim. Mexo muito pouco depois. Releio e vou mexendo, mas uma mexida sutil: troco uma palavra ou outra, uma vírgula ou outra. Escrevo quase o texto definitivo. Sou tudo aquilo que vivi. Como repórter, escutei histórias nas mais variadas geografias. Às vezes sinto-me multidão - sinto-me habitada por essas vozes. Único momento da vida que não li todo dia foi quando escrevi o romance - pegava o livro e largava. Estava morando nessa ficção.

A literatura não é só uma decisão, mas uma necessidade. Não tive escolha. Se eu não escrevesse minha vida ficaria inviável. Resolvo todos meus conflitos pela escrita.

Stella Florence

"Escrever é cortar o ego do escritor. A técnica deve misturar-se à criação sem que percebamos"
Há uma frase atribuída ao Rubem Fonseca que considero perfeita: "Escrever é um labirinto cuja dificuldade não é encontrar a saída, mas a entrada".
Quando se encontra a entrada do texto, tem-se tudo - e não há como forçar esse encontro.
Eu costumava organizar notas, blocos, cadernos, até perceber que eu jamais esquecia o que realmente iria virar texto. Agora eu deixo que a memória funcione como um filtro.
De resto, trabalho todos os dias, em horários flutuantes.
Não tenho manias ou necessidades externas. Preciso apenas de concentração (isso pode acontecer em casa, num aeroporto, num bar, desde que não falem comigo).
No começo da carreira eu me dedicava mais a textos de cuja qualidade não estava bem certa, hoje isso não acontece mais. Se ele não se coloca logo de pé, o abandono rapidamente. Já os textos que vingam costumam ser razoavelmente editados.
Marcos Rey dizia: "Escrever é a arte de cortar". Concordo. Sobretudo cortar das linhas o ego do escritor. O escritor profissional, com prazos a cumprir, escreve (e bem) mesmo sem inspiração e o leitor não percebe a diferença. Mas essa máxima vale apenas para textos curtos - seria impossível fazer um romance sem inspiração e prazer.
A técnica se mistura à criação sem que percebamos. Apenas quando a inspiração desaparece e é preciso entregar o texto é que a técnica tem de dar conta do recado sozinha.
Nunca tive ninguém na infância e adolescência que me podasse ou me incentivasse. Mais tarde, tive o prazer de receber conselhos preciosos de amigos escritores.
Hoje o que mais me influencia - não no texto, mas no prazer pela arte de escrever - é Gabriel García Márquez. Ler Gabo, para mim, é tão vital quanto me alimentar - e, não, isso não é um exagero.

Xico Sá

"Uma boa abertura é fundamental para vencer o déficit de atenção do leitor de hoje"
Nessa correria de hoje está todo mundo com déficit de atenção. Uma boa abertura é fundamental para abrir a porta ao leitor. Sem um bom começo há mais dificuldade na leitura. Penso numa frase de maior impacto para prender o leitor.

A linguagem com termos pouco usuais funciona, chama a atenção. No texto de internet, que é para o povo mais apressado ainda, jogo adiante dois ou três significados do termo, até brincando com ele. Para livros não tenho essa preocupação, pois imagino um leitor com mais reflexão, que possa ter o entendimento por ele mesmo. São expressões às vezes regionais, que eram usuais no português em desuso.

Acredito que tenha diminuído muito o tamanho do repertório no Brasil.

Quando o texto não sai, às vezes dou uma caminhada.

Vou à padaria, tomar um café, esqueço-o. Ou então escolho livros indiscriminadamente, folheio um ou outro, de qualquer gênero.

É como se fosse um aquecimento do cérebro: você pega um ritmo. Uma esteira de ginástica para aquecer o cérebro meio desnorteado.

Inspiro-me tanto em Graciliano Ramos, pela secura do texto, como em Nelson Rodrigues, pelo contrário: por adjetivar, não ter medo do derramamento.

Tenho nas crônicas repetições, que funcionam como um mantra - saem de uma crônica e entram na outra.

Escrevo muito sob pressão, sob encomenda, prazo de entrega. Não posso me dar ao luxo de deixá-lo dormir ali. Tenho essa questão da pressa. Sou sobretudo um cronista.

Há também a preocupação de fechar com boas frases. Não deixo o leitor sem uma satisfação final.

Penso em uma frase que fique na cabeça do cara. Algum exagero, alguma hipérbole que fique martelando em sua cabeça.

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